sábado, 19 de abril de 2008

As duas rãs

Nada há pior para o caráter do homem do que o pessimismo. Ele denigre tudo, corrompe as boas ações, ofende a virtude, destrói a tranqüilidade, mata a esperança e cultiva a desilusão. O pessimismo é como o mocho: foge à luz e ama a escuridão.
(...) Uma tarde, quando atravessava calmamente certa rua de Bagdá, o velho filósofo foi insistentemente chamado pelo jovem Ali-Benhadaz, filho de riquíssimo mercador de tapetes. O rapaz tivera profunda desilusão e perdera toda a alegria de viver. Até o sorriso das crianças e o suave bailar das folhas, que a brisa da tarde embalava, lhe parecia uma afronta ao seu infortúnio. Desgraçado Ali-Benhadaz!
(...) Hassein Hassan cofiou a barba espessa, olhou ternamente para o jovem e iniciou o seguinte apólogo:
_ "Era uma vez duas rãs: uma otimista; outra, pessimista. Um dia, elas tanto pularam que foram cair dentro de um boião de creme de leite. A pessimista logo se desesperou. Pôs-se a chorar e a gritar. _"Ah! Coitadinha de mim! Desta vez não escaparei! Sinto-me sem ar, sem forças! Estou perdida! Não poderei sair daqui! Vou-me afogar! Ai, que me afogo! Ai!..." E se afogou mesmo.
A rã otimista, sentindo embora a morte da companheira, não perdeu a esperança e continuou lutando bravamente pela vida. Seu otimismo lhe dava confiança e a confiança lhe fazia redobrar a energia. _ "Só desistirei quando todos os meus esforços forem de todo inúteis." - pensava ela. E continuava: _ Mamãe sempre me diz que "enquanto há vida, há esperança." Continuarei lutando."
Na verdade, ela não ficou imóvel, nem se deixou arrebatar pela desorientação. Nadava energicamente, de um lado para outro, movendo sem cessar suas patinhas. Já a rã pessimista jazia no fundo do boião, quando a rã otimista percebeu que as coisas estavam melhorando. Que se teria passado?
Talvez alguém aludisse à realização de um milagre, mas o fato é que não houve milagre algum. De tanto a rãzinha se debater para salvar-se, o creme de leite foi-se condensando e não tardou que ela senti-se achar-se sobre um corpo relativamente sólido, pois o creme se transformara em manteiga. Alcançando a boca do boião, a rã estava ofegante, esgotada, porém, alegre e feliz."
Terminado o apólogo, o filósofo voltou-se para Ali-Benhadaz, com os olhos iluminados, por um contentamento discreto, mas contagioso:
_"Ouviste, meu filho? Essa lição da rã otimista prova que sempre é melhor fazer alguma coisa do que cruzar os braços e não fazer nada nas horas difíceis... O desespero nada constrói: apenas destrói, as lágrimas não mostram o caminho da salvação, mas representam o itinerário do desespero... É nos momentos críticos da vida que o homem deve mostrar o que vale. Estás também num boião de creme de leite. Reflete e age. Não desesperes. Nem tomes qualquer decisão sem refletir. Faze o máximo para saíres bem da situação em que te encontras e verás, depois, que é bem melhor viver nas claridades do otimismo do que chafurdar-se no pântano do pessimismo. Eu te ajudarei a sair do boião, Ali-Benhadaz..."
E Ali-Benhadaz, com a fisionomia aliviada, mostrava certo desafogo na alma. Suspirou e, num impulso de gratidão, beijou as mãos encarquilhadas do filósofo. Desde aquele dia, nunca mais houve em Bagdá um coração mais cheio de esperanças do que o dele...
(José Brígido)

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