
Um dia, tendo esse poderoso monarca saído a passear sozinho pelos arredores de seu palácio, avistou, de longe, quatro homens, em atitude agressiva, rodeando uma mulher.
A infeliz, atirada no chão, ocultando o rosto entre as mãos descarnadas, chorava desesperadamente.
Ao serem surpreendidos pelo rei, ficaram todos mudos de espanto e medo. O sultão, sem demora, os reconheceu: um deles era o vizir Kolahid; o outro o cádi Namã; o terceiro, o rico Salah; o último, Radjalá, o orgulhoso – todos, enfim, nobres e poderosos senhores da corte.
Que fez esta mulher? – inquiriu, sereno, o sultão.
É uma ladra, ó Emir dos Crentes – respondeu Kolahid – foi por nós surpreendida, agora, quando estava a roubar frutas em vosso pomar.
Roubei para meus filhinhos – soluçava a pobre rapariga – eles têm fome. Eu nada tenho para lhes dar!
É uma pecadora, ó Rei dos Reis! – observou Namã, o cádi – Deve ser castigada. A lei...
Que diz a lei? – tornou, em tom severo, o sultão.
Rei generoso! Acudiu Hadjalá, inclinando-se humildemente – A lei é bem clara. Diz o Alcorão, o nosso Livro Sagrado, que se deve cortar a mão direita do ladrão. Estou bem certo, ó Rei, que é esse o castigo que cabe a esta pecadora!
Na minha opinião – interveio o monarca, esta infeliz deve ser perdoada. Não se trata absolutamente de uma ladra, pois uma pobre mãe desesperada, que fez isso para matar a fome de um filho, merece sempre a nossa simpatia e faz jus ao nosso perdão. Alá é clemente e justo! Mas, enfim, como vós a condenastes, ela vai ser por mim castigada com impiedoso rigor.
Depois de pequena pausa, o grande monarca ajuntou:
- Penso, porém, que o castigo que a lei prescreve aos ladrões ainda é pequena para a falta gravíssima que esta infeliz – segundo vossa opinião – acaba de praticar. Determino, pois, que esta mulher seja imediatamente apedrejada.
Apedrejada! Semelhante sentença, proferida por um homem tão justo e bom como o sultão Malyan, causou, entre os circunstantes, um espanto indescritível. O emir Kolahid, pálido, tremendo, não sabia o que fazer.
Emir Kolahid – bradou o sultão, com voz áspera – atirai a primeira pedra!
Eu não tenho aqui pedra alguma, senhor! – balbuciou o emir, mostrando as mãos vazias.
Atirai, então, esta pedra que está em vosso turbante! – ordenou-lhe o rei.
Diante dessa ordem o emir não teve outro remédio. Com grande mágoa no coração, arrancou do turbante a valiosa gema que lhe servia de adorno, e atirou-a aos pés da mulher.
Agora, vós, Namã – prosseguiu, impassível, o sultão – atirai essas pedras que brilham em vossos dedos!
O malvado muçulmano teve assim de despojar-se imediatamente de todos os seus preciosos anéis. A mesma coisa foram obrigados a fazer Salah, o rico, e Hadjalá, o orgulhoso.
Voltando-se finalmente para a mulher, disse-lhe o sultão:
Apanha todas essas pedras, minha filha! Terás, aí, com o que comprar, por toda a vida, o pão e o agasalho para os teus filhinhos. Estás livre! Podes partir! Eu também não te condeno: vai-te e não peques mais.
A pobre mulher, entre lágrimas de gratidão, beijou a mão ao seu dono e senhor – tão magnânimo e bom, que sabia fazer um benefício inestimável, castigando, ao mesmo tempo, quatro homens malvados, sem coração.
(Malba Tahan)
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