sábado, 19 de abril de 2008

Traço do Cirineu


O Senhor carregava a cruz dificilmente...

A sentença cruel, afinal se cumpria.

Liberto Barrabás, Jesus no mesmo dia,

Era levado à morte, ante a ironia

Do fanatismo deprimente.

Brados, altercações, zombaria, algazarra...

O Excelso Benfeitor, no lenho a que se agarra,

Curva-se de fadiga, arrasta-se, tressua,

Escutando em silêncio os palavrões da rua.

O cortejo prossegue... O Cristo, passo em passo,

Por um momento só, exânime, fraqueja:

Ajoelha-se e cai vencido de cansaço.

O povo exige a marcha, excede-se, pragueja...

Nisso, um campônio vem da gleba com que lida.

É Simão de Cirene, homem simples e forte,

Um meirinho lhe pede apoio na subida,

Deve prestar auxílio ao condenado à morte...

-“Como, senhor? Não posso!...”_ exclama o interpelado,

“Tenho pressa!...” No entanto, o funcionário insano

Grita-lhe em rosto; “-Cão, obedece ao chamado!”

E mostra-lhe o rebenque a gesto desumano...

Calado, o lavrador atende e silencia,

Toma parte da cruz sobre o ombro robusto,

Fita o Mestre cansado, o suor que o cobria...

A turba escala o monte e alcança o topo a custo.

Contemplando Jesus, por fim, deposto o lenho,

Diz-lhe Simão:-“Senhor, achava-me apressado...

a filha cega e muda é o tesouro que eu tenho,

Não queria ferir-te o peito atribulado.

Perdoa, se aleguei a urgência em que me via...

É o coração de pai que falava a chorar...

Sei que estás inocente, ampara-me, alivia

A dor que me avassala e me atormenta o lar...”

Jesus endereçou-lhe um aceno de ternura,

Em meio à multidão, apupado, sozinho

E acentuou: -“Simão, guarda a fé que te apura,

Todo o Bem que se faz é uma luz no caminho.”

O Cirineu, de volta, acha a enorme surpresa...

Fala-lhe a filha: -“oh, pai, uma luz veio a mim,

Agora vejo e falo, acabou-se a tristeza,

Tenho a impressão que a Terra, é um formoso jardim!...”

Simão chora, lembrando a cruz que traz na mente

E reconhece o Bem por divino troféu,

Que mesmo praticado involuntariamente

É uma força atraindo a intercessão do Céu!...

(Maria Dolores, por Francisco Cândido Xavier - do livro: A Vida Canta)

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