sábado, 19 de abril de 2008

O Féretro


O féretro seguia, devagarinho, pelo estreito caminho da fazenda. As plantações, o gado e as benfeitorias indicavam a riqueza do proprietário das terras. O cemitério ficava a dois quilômetros de distância. O caixão, todo branco, indicava tratar-se do sepultamento de uma criança. Os acompanhantes eram poucos, apenas os familiares e os padrinhos. Todos pareciam muito tristes e o cântico, quase um murmúrio, confirmava a angústia daqueles corações. Eram lavradores simples e suas mãos cheias de calos mal podiam segurar as alças do caixãozinho.

Um carro parou, rente ao caminho, na rodovia, a pedido da filha do dono do veículo, para que ela pudesse observar, de perto, aquele enterro.

- Filhinha, disse o pai que não a contrariava, é uma tolice o que você está pedindo. É pura perda de tempo.

- Mas eu quero ver, papai – resmungou a jovenzinha de seus dez anos.

Faltavam alguns passos, para que o féretro entrasse na rodovia, dando seguimento ao seu destino.

- Veja, papai, eles são muito pobres. Aquela mulher deve ser a mãe. Tá chorando muito. Coitada, está descalça. O homem, também.

- Vamos embora, meu bem – disse o pai. Detesto presenciar estas cenas.

O caixão chegou à rodovia. Colocaram o caixão no chão, para descansar. O velho lavrador enxugou o suor do rosto, com a manga da camisa, parecendo meio sem jeito à frente daquele homem de aparência tão importante, que descera do carro.

- É parente seu? – perguntou o recém-chegado.

- Minha filha – respondeu com os olhos cheios de lágrimas – morreu por falta de recurso.

- Ah! Lamento! – disse o interlocutor, e puxou a menina para que entrasse no carro, demonstrando certa contrariedade. Ficou, ainda, mais surpreso, quando o lavrador perguntou:

- O sinhô foi bem de viagem?

- Eu?

- É, num tava no istrangero?

- Como sabe?

Pigarreando, Horácio respondeu que estava muito cansado e que a Europa era um lugar muito bom para descansar a cabeça.

- Se me der licença, eu e minha filha vamos andando.

- Ocê é muito bonita Rosemary. Deus ti abençoe.

A menina, cochichando com o pai, falou que o homem a conhecia. Horácio, estranhando, perguntou:

- Você nos conhece?

- Sim sinhô!

- Onde é que mora?

- Na fazenda, dotô.

- Sim, mas que fazenda?

- Na sua.

(Hilário Silva)

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