
O féretro seguia, devagarinho, pelo estreito caminho da fazenda. As plantações, o gado e as benfeitorias indicavam a riqueza do proprietário das terras. O cemitério ficava a dois quilômetros de distância. O caixão, todo branco, indicava tratar-se do sepultamento de uma criança. Os acompanhantes eram poucos, apenas os familiares e os padrinhos. Todos pareciam muito tristes e o cântico, quase um murmúrio, confirmava a angústia daqueles corações. Eram lavradores simples e suas mãos cheias de calos mal podiam segurar as alças do caixãozinho.
Um carro parou, rente ao caminho, na rodovia, a pedido da filha do dono do veículo, para que ela pudesse observar, de perto, aquele enterro.
- Filhinha, disse o pai que não a contrariava, é uma tolice o que você está pedindo. É pura perda de tempo.
- Mas eu quero ver, papai – resmungou a jovenzinha de seus dez anos.
Faltavam alguns passos, para que o féretro entrasse na rodovia, dando seguimento ao seu destino.
- Veja, papai, eles são muito pobres. Aquela mulher deve ser a mãe. Tá chorando muito. Coitada, está descalça. O homem, também.
- Vamos embora, meu bem – disse o pai. Detesto presenciar estas cenas.
O caixão chegou à rodovia. Colocaram o caixão no chão, para descansar. O velho lavrador enxugou o suor do rosto, com a manga da camisa, parecendo meio sem jeito à frente daquele homem de aparência tão importante, que descera do carro.
- É parente seu? – perguntou o recém-chegado.
- Minha filha – respondeu com os olhos cheios de lágrimas – morreu por falta de recurso.
- Ah! Lamento! – disse o interlocutor, e puxou a menina para que entrasse no carro, demonstrando certa contrariedade. Ficou, ainda, mais surpreso, quando o lavrador perguntou:
- O sinhô foi bem de viagem?
- Eu?
- É, num tava no istrangero?
- Como sabe?
Pigarreando, Horácio respondeu que estava muito cansado e que a Europa era um lugar muito bom para descansar a cabeça.
- Se me der licença, eu e minha filha vamos andando.
- Ocê é muito bonita Rosemary. Deus ti abençoe.
A menina, cochichando com o pai, falou que o homem a conhecia. Horácio, estranhando, perguntou:
- Você nos conhece?
- Sim sinhô!
- Onde é que mora?
- Na fazenda, dotô.
- Sim, mas que fazenda?
- Na sua.
(Hilário Silva)
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