sábado, 19 de abril de 2008

Sobre o Amor


Então Almitra disse, fala-nos do Amor.

E ele ergueu a cabeça e olhou para o povo e caiu uma grande imobilidade sobre eles. E em voz poderosa ele disse:

Quando o amor vier ter convosco,

Seguros embora os seus caminhos sejam árduos e sinuosos.

E quando as suas asas vos envolverem, abraçai-o, embora a espada oculta sob as asas vos possa ferir.

E quando ele falar convosco, acreditai,

Embora a sua voz possa abalar os vossos sonhos como o vento do norte devasta o jardim.

Pois o amor, coroando-vos, também vos sacrificará. Assim como é para o vosso crescimento também é para a vossa decadência.

Mesmo que ele suba até vós e acaricie os mais ternos ramos que tremem ao sol,

Também até às raízes ele descerá e abaná-las-à

Enquanto elas se agarram à terra.

Como molhos de trigo ele vos junta a si.

Vos amanha para vos pôr a nu.

Vos peneira para vos libertar das impurezas.

Vos mói até à alvura.

Vos amassa até vos tomardes moldáveis;

E depois entrega-vos ao seu fogo sagrado, para que vos tomeis pão sagrado para a sagrada festa de Deus.

Toda estas coisas vos fará o amor até que conheçais os segredos do vosso coração, e, com esse conhecimento, vos tomeis um fragmento do coração da Vida.

Mas se, receosos, procurardes só a paz do amor e o prazer do amor,

Então é melhor que oculteis a vossa nudez e saiais do amor,

Para o mundo sem sentido onde rireis, mas não com todo o vosso riso, e chorareis mas não com todas as vossas lágrimas.

O amor só se dá a si e não tira nada senão de si.

O amor não possui nem é possuído;

Pois o amor basta-se a si próprio.

Quando amardes não deveis dizer "Deus está no meu coração", mas antes "Eu estou no coração de Deus".

E não penseis que podeis alterar o rumo do amor, pois o amor, se vos achar dignos, dirigirá o seu curso.

O amor não tem outro desejo que o de se preencher a si próprio.

Mas se amardes e tiverdes desejos, que sejam esses os vossos desejos:

Fundir-se e ser como um regato que corre e canta a sua melodia para a noite.

Para conhecer a dor de tanta ternura.

Ser ferido pela vossa própria compreensão do amor;

E sangrar com vontade e alegremente.

Despertar de madrugada com um coração alado e dar graças por mais um dia de amor;

Repousar ao fim da tarde e meditar sobre o êxtase do amor;

Regressar a casa à noite com gratidão;

E depois adormecer com uma prece para os amados do vosso coração e um cântico de louvor nos vossos lábios.

(Extraído do livro: O Profeta, de Gibran Khalil Gibran)

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