domingo, 28 de março de 2010

Caso Vulgar

João comia. João dormia.

Tinha pouco o que fazer.

Passeava, andava e ria,

Mas João queria morrer.

Dizia que o mundo é falso,

Despenhadeiro traidor,

Senzala de crueldade,

Toda cravada de dor.

Por mais que o guia buscasse

Despertá-lo para o bem,

Tudo inútil. João clamava

Xingando como ninguém.

O mentor rogava calma

No serviço meritório,

João respondia que o mundo

É um horrendo purgatório...

Afirmava ouvir apenas

Pragas, lamentos e ais.

E rematava: - “meu guia,

Agora não posso mais...

Quero a sua companhia,

Preciso mudar de sorte,

Colaborar, ao seu lado,

Na vida depois da morte...”

E tanto pediu repouso

Na chorança sem limite

Que o pobre desencarnou,

A toque de meningite.

Sob os cuidados do guia,

João acordou, foi tratado...

O mentor, ao vê-lo forte,

Anunciou-lhe, afobado:

-“João amigo, eis o momento!...

Você queria morrer,

Agora venha comigo,

Servir é o nosso dever.”

O moço que detestava

Disciplina, horário e prova,

Começou desapontado

A imprevista vida nova.

Seguindo os passos do guia,

Entre surpresas crescentes,

Passava, dias e dias,

Doando forças aos doentes;

Amparava hansenianos,

Balsamizava feridas,

Corria sempre em socorro

De crianças desvalidas.

Gastava nos hospitais,

Às vezes, noites inteiras,

Garantindo a vigilância

De enfermeiros e enfermeiras.

O protetor sem repouso

Parecia não ter paz,

Onde surgisse em auxílio,

João devia vir atrás.

Certo dia, João, cansado,

Disse aos guia: - “não agüento,

Não mais agüento a pedreira

De prisão e sofrimento...”

Pede o guia: - “Fala, filho!...”

E chorando gritou João:

-“Eu quero viver na Terra,
Prefiro a reencarnação...”


Xavier, Francisco Cândido. Da Obra: “Loja de alegria”. Ditado pelo Espírito Jair Presente

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