domingo, 28 de março de 2010

Algema

Meu querido Ricardo!

Que a bondade infinita de Deus nos abençoe.

Correm os dias para o corpo e a experiência na Terra, à medida que o tempo avança sobre a carne, é alguma cousa semelhante ao nevoeiro que se adelgaça...

A noite como que vai tocando a seu termo e o nosso coração se banha, feliz, aos primeiros raios da nova aurora. Um sol diferente nos ilumina – o astro de um entendimento mais alto e mais nobre, a cuja claridade bendita, cada pessoa e cada cousa do mundo aparecem no lugar que lhes é próprio.

Uma profunda compaixão torna a nossa alma, diante de tudo o que signifique incompreensão e ignorância e aprendemos, meu querido companheiro, a seguir viagem, quase a sós, pelo monte acima dos sofrimentos santificadores.

Semelhante subida não é de todos. Muitos se deixam desanimados, no fundo vale do desalento, da tristeza, da desolação. Muitos se apegam a velhos enganos do campo físico e algemam-se a pedaços de ouro e pó, quais se fossem tesouros de luz para acordarem, mais tarde, em plena sombra...

A ascensão pelo trilho escabroso é daqueles que sabem despregar a si mesmos, violentando o próprio coração para adquirirem o ensinamento vivo da renúncia salvadora. Somente a boa vontade com aplicação às lições edificantes do Mestre consegue impulsionar-nos para o alto, porque, enquanto nos confiamos ao cárcere do nosso orgulho e da vaidade, fazendo valer apenas os desejos sobre os interesses e necessidades do próximo, enquanto nos perdemos na teia escura de nossos caprichos, as dívidas pesadas nos algemam à lama e à treva de nossas antigas imperfeições.

Abençoada seja, desse modo, a fé sublime que nos levanta os corações para uma nova interpretação da vida e do mundo.

Possuir para dar.

Sacrificarmo-nos com pouco, a fim de que os companheiros de jornada possuam o maia de nossas possibilidades.

Sermos pequeninos para que o próximo seja maior.

Voltar contra nós o buril do aperfeiçoamento, para que o mármore do coração deixe plasmada em nós mesmos a escultura divina da humildade.

E nesse serviço abençoado, chorar para dentro do peito as oportunidades perdas com a esperança de nos esforçarmos mais proveitosamente amanhã, em favor da elevação espiritual, suportando os espinhos e as pedras da marcha, a fim de que, mais cedo, possamos encontrar nos píncaros do conhecimento e da bondade os primeiros raios da divina luz.

Agradeço a você, meu querido Ricardo, quanto vem fazendo por nosso progresso. Creia que o seu trabalho me pertence, que o suor de sua ama é igualmente meu. Somos lavradores do campo humano que recolhem, hoje, as espigas amadurecidas de nossa sementeira de ontem, a fim de espalhar-lhes os grãos de amor e luz, com todos os nossos irmãos menos felizes do grande caminho. Cada vez que os seus braços se estendem para ajudar, que o seu pensamento se alonga para orar ou meditar, sinto-me crescer em espírito para a vida superior.

Estamos entrelaçados com inúmeros amigos e inimigos do passado e, somente aqui, você poderá calcular a extensão de minhas palavras. É preciso perdoar muito e esquecer ainda mais, a fim de que o espírito consiga adiantar-se na senda sem maiores obstáculos.

Cada vez que o coração sangra de dor na Terra, é a impureza que expulsamos do íntimo de nós mesmos, convertendo-nos o espírito em uma consciência mais sutil, mais renovada e mais bela, pronta a desferir vôo em demanda das esferas imortais da celeste união. Quem nos atormenta, nos auxilia. Quem nos fere, nos aperfeiçoa. Quem nos bate ou humilha é nosso benfeitor, desde que saibamos recordar o Senhor e imitar-Lhe os exemplos no sacrifício e na cruz.

Não tema, pois, os percalços do roteiro. Quem não luta, costuma enganar-se. Quem para, dorme. E quem se entrega a sono da alma, tarde contempla o sublime despertar.

Avancemos, assim, com as dificuldades e dores, embora estejamos na situação de retirantes solitários, que não podem desfrutar, por agora, a companhia dos entes mais caros. Não duvidemos, porém, da divina bondade. Tudo está em seu lugar.

A flor precisa de tempo para converter-se em fruto. A semente reclama ocasião adequada para germinar, medrar, desenvolver-se e florir. Estamos subordinados em todos os serviços e em todas as atividades do mundo, à ordem evolutiva. Tudo deve progredir e produzir a seu tempo. Consola-me, acima de tudo, a convicção de que os filhinhos amados são jóias do Tesouro de Deus. Não está em nossas mãos o poder de usa-las como nos aprouver, mas podemos reter a felicidade de sabe-los fortes e contentes no desempenho dos desígnios do Senhor, que é o supremo Orientador de nossos destinos.

Baste-nos, por agora, a Maria. Amorosa amiga e devotada irmã, sinto-me sinceramente feliz reconhecendo-lhe a grandeza de coração no serviço de nossa preparação, dia a dia, para o reencontro na luz espiritual. E amparando-nos, uns nos outros, busquemos a proteção do alto em primeiro lugar com a execução de todos os deveres.
Extremamente satisfeita com o seu esforço na vinha da caridade e da iluminação e, esperando possamos nós dois avançar para a frente, invariavelmente juntos, sob a custódia de Jesus, cujo exemplo é o nosso farol, abraça-o com todo o carinho e beija-lhe o abnegado coração a companheira da eternidade.


Xavier, Francisco Cândido. Da Obra: “Paginas do Coração”. Ditada pelo Espírito Irmã Candoca.

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